terça-feira, 21 de setembro de 2010

Relato de um imigrante que veio para o Brasil


Thomas Davatz, um suíço que veio ao Brasil na metade do século XIX, escreveu um extenso relato acerca das suas experiências nas fazendas de café de São Paulo e também de histórias contadas a ele por outros imigrantes.
No trecho transcrito abaixo, Davatz dá a sua opinião acerca da situação em que vivem os trabalhadores imigrantes na Fazenda de Ibicaba (atualmente Cordeirópolis - SP), propriedade do Senador Vergueiro. Nessa fazenda - que ainda existe, e é aberta à visitação (http://www.fazendaibicaba.com.br/principal.html) - aconteceu uma das primeiras experiências de uso de mão-de-obra européia (principalmente suíça e alemã) no sistema de parceria. É sobre esse sistema e suas crueldades que Thomas Davatz discorre no trecho abaixo:

Foto aérea tirada da Fazenda de Ibicaba
[...] Em Ibicaba, em fins do ano de 1856, antes de correr a notícia de que seria realizado um inquérito, houve mesmo quem dissesse que, com os colonos a serem introduzidos daí por diante, seria firmado um contrato mediante o qual eles não receberiam nem cafezal, nem roçados para a lavoura, mas trabalhariam na fazenda recebendo uma diária de quinhentos réis. Além disso seriam obrigados a contentar-se com os fornecimentos da fazenda, inclusive de mantimentos, roupas, ferramentas etc. [...] os colonos, em certos, lugares, se vêem em maior dificuldade para se libertarem do que os próprios escravos pretos, que não têm dívidas a pagar e que poderia usar, na compra de sua liberdade, os extraordinários que ganham em certas ocasiões, ou em domingos e feriados. [...] Será exagero, diante de tudo isso, dizer-se que os colonos se acham sujeitos a uma nova espécie de escravidão, mais vantajosa para os patrões do que a verdadeira, pois recebem os europeus por preços bem mais moderados do que os dos africanos (um bom africano custa hoje mais de cinco mil francos), sem falar no fato do trabalho dos brancos ser mais proveitoso que o dos negros? [...] os colonos sujeitos a esse sistema de parceria não passam de pobres coitados miseravelmente espoliados, de perfeitos escravos, nem mais nem menos. Os próprios filhos de certo fazendeiro não hesitaram em apoiar essa convicção, dizendo que "os colonos eram os escravos brancos (de seu pai), e os pretos seus escravos negros. [...]
Mas quer isso dizer então que os colonos com contrato e tudo mais não podem recorrer às autoridades brasileiras? Ao que eu saiba poucas tentativas se fizeram nesse sentido e as que se fizeram não animaram ninguém a repeti-las. [...] O fato é que os fazendeiros, à testa dos quais está ou pretende estar o sr. Vergueiro, tem todo o poder nas mãos [...].
(DAVATZ, Thomas. Memórias de um colono no Brasil (1850). SP: Ed. Livraria Martins/EdUSP, 1972, pp. 86-89)


*Como sabemos, todo relato traz visões históricas parciais. No caso do texto acima, o ponto de vista de Thomas Davatz nos leva a fazer algumas perguntas:
- Qual interesse tinha Davatz em retratar a situação dos imigrantes dessa maneira? Em 1856, ele, que era professor, participou de uma revolta contra o sen. Vergueiro. Depois disso, a imigração de suiços para o Brasil foi proibida pelo governo da Suíça.
- Por que os fazendeiros tratavam os imigrantes como escravos? Seria somente por razões econômicas ou também por questões culturais?
- Será que o relato de Davatz não está impregnado pelo racismo? Por que os imigrantes brancos teriam que ser tratados de maneira melhor do que os escravos negros?
 
Terreiro de café na Faz. de Ibicaba (final do séc. XIX) - Acervo Cartola Schmidt Memorial Center